Empresas brasileiras na caça por talentos de fora, novas profissões ligadas à IA… Conheça tendências em gestão de pessoas para um futuro que já começou!

“Feliz ano novo, adeus ano velho.” Mas, em se tratando da área de recursos humanos, muito do que esteve no “ano velho” não vai se despedir a partir de 1º de janeiro: continuará, mais forte, no novo ciclo. Cuidado com a saúde mental, equipes globais, implementação de ferramentas de inteligência artificial, demandas por mais diversidade…

As mudanças nas dinâmicas do mercado de trabalho, que já davam mostras em 2023, vão se consolidar em 2024. E isso implicará novas formas de atuação e mentalidade das equipes de RH – de outra forma, elas terão dificuldades para segurar os melhores talentos em um contexto de alta rotatividade laboral. É o que apontam as consultorias que atuam nesse setor e os especialistas no futuro da gestão de pessoas.

Uma análise de tendências

da consultoria McKinsey, publicada em outubro, mostra que um terço dos funcionários brasileiros planeja deixarsuas organizações nos próximos seis meses. Só ainda não contaram para seus líderes, que acreditam em uma rotatividade de apenas um quintodos empregados em um ano.

“As pessoas querem encontrar um propósito melhor em seu trabalho. [Esse comportamento] também tem relação com o tipo de liderança, coma maneira com que os gestores inspiram seus funcionários”, diz Fernanda Mayol, sócia da McKinsey.

Já Isis Borge, sócia da consultoria de recrutamento Talenses, aponta que o papel do RH em 2024 será apoiar as rápidas transformaçõestecnológicas das empresas, mas ao mesmo tempo fortalecendo a parte humana da equação. “O profissional de RH deve ser o termômetro queconsegue falar para o executivo ‘vem cá, seu time é o que tem mais afastamento por burnout na empresa. O que você pode fazer diferente?’”, sugere Borge.

Alexandre Ullman, diretor de recursos humanos do LinkedIn, reitera a importância do acolhimento. “A retenção passará porinvestir no bem-estar do profi ssional”, afi rma. Ullman lembra que o próprio LinkedIn adota políticas fl exíveis com seusfuncionários, como a possibilidade de conciliar horários e um regime de trabalho híbrido em seu escritório em São Paulo.

Nesta reportagem, mapeamos cinco tendências que serão desafiospara os profissionais da área em 2024 e além.

 

O avanço da inteligência artificial

Já imaginou um robô capaz de responder todas as dúvidas sobrepagamentos e férias e que ainda resolva tarefas maçantes, quegeralmente caem no colo do RH? E se, além disso, ele puder realizaranálises internas para traçar os melhores caminhos para suaempresa?

Isso já é realidade. “No RH, você pode colocar uma IA com chatbot para coleta de feedbacks, por exemplo. Pode automatizar tarefas repetitivaspara o onboarding, fazendo validação de dados sensíveis, cruzando informações com a Receita Federal. Essas são as aplicações maisbuscadas pelas empresas em um primeiro momento, e que devem se intensificar”, resume o empresário Paulo Moraes, cofundador daconsultoria Talenses.

De qualquer forma, o domínio dessas ferramentas vem aparecendo cada vez mais como um diferencial em postos de trabalho. E já está criandoprofissões novas, às quais o RH deve estar atento. É o caso do engenheiro de prompt: um especialista no uso de plataformas de IA generativa,que consegue o melhor resultado a partir de comandos de texto. E há outras atividades brotando nessa seara: especialista em cibersegurançade IA, gerentes de transformação digital (responsáveis por uma transição bem-sucedida para negócios orientados por inteligência artificial) eanalistas de dados avançados (que identificam padrões ocultos, interpretando resultados complexos e tomando decisões estratégicas combase em suas conclusões).

Segundo dados do LinkedIn em 2023, as vagas que mencionam IA mais do que triplicaram no Brasil nos últimos dois anos, fenômeno queacompanha uma tendência global. A pesquisa também indica que 80% dos profissionais de RH veem a IA como uma aliada nos próximos cincoanos, assumindo as tarefas mais automáticas e permitindo que as pessoas se concentrem nos aspectos mais estratégicos e humanos das suasfunções.

Fernanda Mayol, da McKinsey: “As pessoas querem encontrar um propósito melhor em seu trabalho. [Essecomportamento] também tem relação com o tipo de liderança, com a maneira com que os gestoresinspiram seus funcionários”.

Outra tendência ligada à tecnologia que deve ganhar força é a implementação de técnicas de análise de dados voltados para RH. Conforme aúltima pesquisa da McKinsey, o uso de people analytics – métodos de gestão de pessoas que depende da coleta e análise de dados sobre osfuncionários – pode aumentar a eficiência dos processos de recrutamento em 80%, incrementar a produtividade do negócio em 25% e reduzir oturnover em 50%. “Essas ferramentas ajudam a descobrir os talentos nos quais é preciso investir”, explica Moraes.

Com o uso maior da IA, de qualquer forma, vem também um alerta: esses sistemas estão sujeitos a erros, que já preocupam gestores. Afinal,quando se trata dos dados de funcionários, um equívoco pode criar grandes transtornos. Exemplo: num processo seletivo mediado por IA, umaanálise errada da máquina pode significar a perda de um talento para a empresa. Daí a necessidade de buscar recursos para minimizar aocorrência de falhas. Um caminho é treinar o modelo com uma ampla variedade de dados que representem diferentes perspectivas e contextos.Isso pode ajudar a melhorar a compreensão do sistema e sua capacidade de gerar respostas corretas em diversas situações.

Outra é encorajar os recrutadores a fornecer feedback sobre as respostas do sistema. Esses depoimentos podem apontar a direção paraajustar o modelo e melhorar as futuras interações.

 

A decadência do home office

Após anos de trabalho remoto, a maioria das empresas voltou à rotina presencial – pelo menos parcialmente. O movimento começou com asgigantes do mercado financeiro americano, exigindo que seus funcionários voltassem aos escritórios dois ou três dias por semana. Algunsmeses depois, o recado era que todos deveriam retomar o trabalho 100% presencial.

E a tendência foi seguida por empresas de outros setores. Em agosto de 2022, a Apple convocou os funcionários de volta ao presencial pelomenos três vezes por semana – à época, houve protestos dos colaboradores, que desejavam permanecer em casa. Microsoft, Amazon e Disneyforam na mesma toada, ainda que com as reclamações dos funcionários.

“Os colaboradores entendem que o modelo funcionou durante esse período de pandemia, e que pode continuar funcionando, por isso nãoquerem voltar”, afirma Rodrigo Accarini, client partner na consultoria Korn Ferry.

Em setembro de 2022, uma pesquisa realizada pela Microsoft Research indicou que 85% dos líderes globais afirmam não ter confiança sobre aprodutividade de seus funcionários no sistema híbrido, embora 87% dos trabalhadores se sintam mais produtivos nesse modelo. No centrodessa batalha, há uma falta de confiança entre ambas as partes.

Mesmo que muitos não vejam a necessidade de encontrar os colegas diariamente, diferentes levantamentos mostram os benefícios doambiente presencial. Em uma pesquisa realizada pela Society for Human Resources Management, dos EUA, 71% dos trabalhadores quevoltaram ao escritório indicaram estar mais satisfeitos. O estudo foi feito com profissionais americanos que permaneceram na mesmaorganização desde o início da pandemia e foram transferidos para o trabalho remoto em algum momento durante a crise do coronavírus.

No Brasil, mais de 90% das empresas estão operando com modeloshíbridos, segundo a McKinsey. A gigante Klabin, exportadora depapel e celulose, foi uma das que decidiram retornar de vez aosescritórios. Cerca de mil funcionários de cargos administrativosvoltaram ao ambiente corporativo a partir de setembro após um anoem regime semipresencial.

“A Klabin é uma empresa de 124 anos com uma cultura muito forte. Oprimeiro motivo para o retorno foi fortalecer a nossa cultura”, afirmaTina Barcellos, diretora de Gente & Gestão na empresa. “Tem algo que o trabalho híbrido não permite, que é aprender pelo olhar”, complementa.Além disso, estava no mapa da Klabin ampliar as interações espontâneas e trocas entre os funcionários – na visão de Barcellos, isso foiduramente impactado pelo modelo remoto.

Mas a mudança não ocorreu sem resistência. “A maior parte dos funcionários não queria o retorno”, assume a executiva. Para tornar o processomenos desgastante, foi essencial comunicar a decisão com antecedência e clareza, além de contar com o apoio das lideranças dos times, quereforçaram a importância do contato presencial entre os funcionários.

Cuidados com os danos mentais – produzidos pelo próprio trabalho

Uma pesquisa de 2022 da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre as principais causas para transtornos mentais relacionados ao trabalho mostrao seguinte: 43% dos entrevistados afirmaram estar sobrecarregados, 30% sofriam com a pressão para que estivessem disponíveis o tempotodo, e 27% se ressentiam da falta de empatia e apoio de seus líderes diretos.

Um dos motivos é o descompasso entre as expectativas dos empregadores e as capacidades dos funcionários. Segundo uma pesquisa desetembro de 2023 da Gartner, 58% dos líderes de RH estão confiantes de que suas empresas atingirão as metas de performance desejadaspara 2024. Será? 45% dos funcionários afirmam que não conseguirão manter o nível atual de produtividade no próximo ano.

A segurança psicológica também tem relação com a satisfação no ambiente corporativo. Para os líderes de RH, uma das tendências de gestãorecomendadas pela Gartner é permitir que os funcionários se expressem livremente e mostrem sua identidade no ambiente laboral. Para isso, énecessário que o próprio líder seja genuíno e empático, mostrando preocupação e respeito pelo bem-estar dos trabalhadores, algo que precisater o acompanhamento do RH. “A segurança psicológica é o reflexo da cultura da empresa: a forma como as pessoas são tratadas, contratadase até demitidas”, explica Mariana Uebel, fundadora e CEO da Grou, uma empresa de gestão comportamental e tecnologia.

Para medir esse grau de satisfação interna, o iFood, por exemplo, criou em 2021 um Índice de Segurança Psicológica. A consultoria Ideafix oadaptou a partir de uma metodologia criada pela pesquisadora Amy Edmondson, professora da Harvard Business School. O questionário incluiperguntas sobre o quanto o funcionário se sente valorizado, como é a comunicação da empresa, se há acolhimento de sua identidade e qual é opapel das lideranças.

A empresa cruzou os resultados com os dados de diversidade, avaliando diferentes setores e grupos. O resultado foi positivo: em 2021, a taxade segurança psicológica ficou em 8,5 e, em 2022, 8,7. Hoje, o indicador serve para fins de monitoramento da equipe. “Se você não sentir queestá em um ambiente que te acolhe, a chance de passar por pressão psicológica, falhar ou ter momentos de dificuldade é muito maior”, explicaGustavo Vitti, vice-presidente de Pessoas e Soluções Sustentáveis do iFood.

 

Brasil entra forte na caça global de talentos

O inverso já existia há tempos: empresas de fora levando nossa mão de obra mais especializada. Mas o Brasil também é um competidor nesseringue global, e a tendência é que a contratação de estrangeiros aumente por aqui.

Em 2019, uma empresa de gestão de RH e pagamentos surgiu como uma aposta em um novo tipo de negócio. A plataforma Deel, com sede naCalifórnia e presença no Brasil, recruta pessoas em 120 países para seus clientes e cuida das burocracias contratuais, como legislaçãotrabalhista, impostos e tipo de contrato (CLT ou PJ). Ela também é um exemplo desse modelo: “Contratamos nossos funcionários com base nofuso horário, para facilitar a comunicação”, afirma Cristiano Soares, country manager da empresa no Brasil.

Embora o apelo pelo trabalho presencial tenha recuperado o fôlego,o nicho onde a Deel atua continua aquecido: a contratação deprofissionais de qualquer parte do mundo para vagas locais. Atendência não é nova, mas pode se intensificar. “Há uma escassezde talentos em diversas áreas, principalmente na parte detecnologia. Se eu preciso de um especialista, engenheiro oudesenvolvedor que não encontro aqui, começo a buscar essa pessoafora”, diz Soares.

Uma pesquisa realizada pela consultoria ManpowerGroup mostrouque 80% dos empregadores brasileiros alegam ter dificuldade para contratar os profissionais que precisam. Por causa disso, 46% delesindicaram que devem recrutar funcionários estrangeiros nos próximos anos, enquanto 57% afirmaram que oferecer mais flexibilidade podeajudar na hora de achar os candidatos ideais.

Esse fator tem a ver com um problema estrutural do país: o baixo nível de educação. As faculdades não formam profissionais de TI numavelocidade que acompanhe a demanda do mercado.

Outra frente para reter gente qualificada é dar benefícios de curto e longo prazo, como indica uma pesquisa da consultoria Korn Ferry feita emjulho de 2023. Entre as estratégias, vale distribuir bônus de pagamento a cada três ou seis meses, garantir progressões de carreira de formatransparente e custear formações e estudos complementares.

Como já identificado por gestores, o retorno ao trabalho presencial sem flexibilidade pode dificultar a contratação de talentos internacionais.“Tem pessoas que já se posicionaram sobre não querer trabalhar em uma empresa que esteja 100% presencial. São profissionais que a gentenão consegue atrair”, afirma Carla Fernandes, gerente de talentos na CPFL Energia. Isso dificultou a “importação”, mas, como vimos, não matoua tendência.

 

IA a serviço da diversidade

O investimento na promoção de diversidade para as vagas ganhoutração nos últimos anos, mas ainda enfrenta dificuldades para sefirmar nas empresas. Muito mais que palestras e treinamentos, asorganizações precisam de estratégias para que as políticas deinclusão não virem só uma peça de marketing. Na opinião dosfuncionários, isso faz toda a diferença para a motivação das equipes.Um levantamento da CNBC/SurveyMonkey de 2021 indicou que 78% dos funcionários consideram importante trabalhar em uma organização que prioriza a diversidade. Mas esse compromisso, claro, precisa ser real.

O problema, para o RH, está em garantir a permanência desses funcionários. Um relatório deste ano da Revelio Labs mostrou que a onda de demissões em massa nas grandes empresas de tecnologia nos Estados Unidos afetou desproporcionalmente alguns grupos: mulheres e pessoas latino-americanas, principalmente. Para além das demissões, há a sensação de que falta mais valorização desses funcionários e planos de progressão de carreira.

O iFood descobriu uma forma de melhorar isso. Usando ferramentas de inteligência artificial e análise de dados sobre a performance da empresa, os executivos descobriram que homens brancos tinham 11% mais chance de serem considerados funcionários de alta performance do que mulheres negras. Isso ajudou a respaldar as reclamações de funcionários sobre o viés dos processos internos de promoção – e agora permite à empresa analisar melhor cada caso.

A tecnologia também ajudou a comprovar outra queixa: a desigualdade salarial. A análise mostrou que cerca de 100 funcionárias ganhavam menos que homens com a mesma experiência e resultados.

De acordo com a psicóloga Mariana Uebel, da Grou, é preciso ampliar a diversidade nas empresas para além das vagas afirmativas e da criação de setores específicos para o assunto.

É necessário que toda a cultura esteja alinhada à pauta de diversidade. “O assunto nunca deveria ter estado de fora da pauta”, diz Uebel. “Mas, para que o tema não fique restrito a um setor, ele precisa amadurecer em 2024.”

 

[ Fonte: vocerh.abril.com.br ]